Saúde corpo-mente

Bruno Marinho de Sousa

Saúde Mental é algo difícil de se definir. No texto O que é Saúde Mental? apresentei algumas questões envolvidas e algumas definições. Nesse texto quero trabalhar a relação entre saúde mental e saúde física.

Corpo e Mente são lados da mesma moeda

O problema mente-corpo é antigo na filosofia e ficou ainda mais atual com o avanço das Neurociências, em especial a Neurociência Cognitiva: Existe uma “mente” fora de um corpo? Ou mente-corpo são lados da mesma moeda?

Esse texto não tem pretensão alguma de lidar com essa questão. Então irei tomar partido que nosso corpo e nossa mente são lados da mesma moeda, ou apenas partes de um todo maior que somos nós enquanto seres vivos. Entendo o dualismo tradicional como algo ultrapassado e datado na ciência. Mas se quiser se aprofundar nessa questão, irei deixar alguns textos disponíveis em “Leia Mais”.

Vamos entender a relação mente-corpo dentro da perspectiva que trabalho. Há um caso famoso nas neurociências: o do operário Phineas Gage. Em 1848 ele sofreu um acidente gravíssimo no trabalho. Uma barra de ferro atravessou sua cabeça e danificou algumas partes de seu cérebro.

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Phineas Gage, a barra e seu crânio. Imagem: The vintage news

Sua mudança de comportamento depois do acidente foi notável. Ele se transformou. Antes era uma pessoa amigável, solidária e respeitosa. Depois do acidente passou a ser arrogante, desrespeitoso, inclusive mudando seu jeito de falar (falando muita baixaria). Foi demitido várias vezes, e chegou a trabalhar como atração de circo devido às suas cicatrizes.

Por que Phineas Gage foi importante?

Ele foi importante porque permitiu inferir muito sobre a relação mente-corpo. Por exemplo, as lesões no cérebro de Phineas Gage poderiam estabelecer uma relação de causa e efeito: lesão cerebral (corpo) provocando mudança de comportamento (que é comandado pela mente).

O crânio de Phineas Gage foi preservado e cerca de 150 anos depois foi estudado por Hanna e Antonio Damásio. Os resultados desse estudo foram publicados na revista Science, em 1994. Nesse artigo os cientistas apontam que os danos principais foram em regiões do lobo frontal, responsável, por exemplo, pelo controle da impulsividade, tomada de decisão e controle inibitório.

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Simulação da barra no crâncio de Phineas Gage. Imagem: Revista Science

Esses resultados são corroborados por estudos com pessoas com lesões semelhantes e tiveram mudanças equivalentes no comportamento. Uma área da Psicologia bastante envolvida nesse tipo de estudo é a Neuropsicologia.

E o que isso tem a ver com Saúde Mental?

Isso mostra que, independente da discussão científica sobre o problema mente-corpo, lesões no corpo provocam mudanças na mente. E isso reflete em como lidamos com o mundo.

Nosso corpo e nossa mente (ou cérebro, se preferir) formam um todo indissociável. Vamos entender com um exemplo:

Você acorda com dor nas costas (ou qualquer outra dor). O dia vai passando e a dor aumenta até um ponto que você não aguenta mais trabalhar, estudar, e procura ajuda médica. Toma uma medicação que corta ou diminui a dor e consegue realizar suas atividades. (Basta trocar a dor nas costas por qualquer outro problema do “corpo”).

Se houvesse essa separação mente-corpo a dor não afetaria seu pensamento. Mas não é assim. Uma gripe, apendicite, dengue, atrapalham nossa forma de pensar.

E, enfatizando ainda mais esse ponto, o Estresse é uma resposta psicofisiológica a estressores ambientais. E quando estamos “estressados” temos sintomas somáticos (físicos) reais, como a gastrite nervosa, problemas de pele, aftas, alterações na glicemia e etc.

Na prática

Pelo que apontei anteriormente, então devemos cuidar tanto da nossa saúde física quanto mental porque as duas refletem uma na outra. O filósofo Juvenal já alertava :

 “mente sã num corpo são”. Fonte: Wikipédia

Cuidar da nossa Saúde Mental envolve essencialmente cuidar e lidar com nossas Emoções. E geralmente não estamos dispostos a isso, ou por não saber como fazer, ou por nem saber que estamos mal. Estamos tão acostumados com as coisas ruins que achamos que isso é normal, faz parte da vida, todo mundo é assim.

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Mas não é. Em outros textos irei abordar isso, mas aqui é importante apontar que muitos dos nossos problemas têm mais a ver com o peso que damos a eles do que do problema em si.

Quando eu estava na graduação havia um funcionário da faculdade que era responsável por fiscalizar a entrada e saída dos alunos e outros funcionários. Ele era muito tranquilo. Um dia um amigo meu perguntou para ele por que ele era tão tranquilo. E o funcionário respondeu que ele era muito estressado, tenso, até que um dia infartou. Após isso repensou a vida e passou a dar valor para o que importa, não se estressando tanto mais.

Esse exemplo é bom porque mostra que essa pessoa ainda tinha os mesmos “problemas”, mas mudou a forma como os encarava. E isso fez com o que o peso desses problemas fosse outro, ficaram mais leves.

E quantas vezes na nossa vida não exageramos as coisas, não sofremos por antecipação, brigamos por coisas bobas, viramos a cara para alguém por um comentário que não gostamos?

Cuidar da saúde mental então é cuidar de como lidamos e enfrentamos o mundo, como o interpretamos e, principalmente, como essa interpretação que damos para o mundo nos afeta emocionalmente. Uma forma de lidar com essas questões é por meio da Psicoterapia.

Um ponto importante para começar a se cuidar: se você não consegue retirar os estressores da sua vida, aprenda a lidar com eles! Leia mais sobre isso em: Aprendendo com Estresse.


Leia mais:

5 Replies to “Saúde corpo-mente”

  1. Bom diaaa. Como sempre seus textos sao otimos e sempre me ajudam muito. Parabéns . Adorei. Abraços

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  2. Prezado Dr. Bruno,

    sou leitor entusiasta sobre o assunto que envolve a psicologia e principalmente a cognição. Aponto uma falha grave da psicologia moderna em deixar no ar (por falta de argumentos válidos), o conceito de mente. A luz da neurociência não existe mente, o que existe é uma subespacialidade (camadas subespaciais da atividade cerebral no tocante à formação das sinapses bioquímicas como resposta cognitiva ao agrupamento das redes neurais). Nós não possuímos mente, o que temos são: fluxos cognitivos. Então, podemos estender esse termo para dizer que não temos mentalidade, temos atitudes cognitivas.

    Ex: no crânio de Phineas Gage, o rompimento do tecido cerebral causou o imediato rompimento das camadas subespaciais neurais, ocasionando lacunas cognitivas, cuja ausência será transmitida na forma de traumas posteriores.

    Podemos perguntar: onde estão nossos pensamentos?

    Estão nos “não locais” do fluxo cognitivo (n-dimensionalidade). Para que esse estudo possa ser compreendido é necessário conhecer: subespacialidade, não localidade. Segue indicação de livro que trata do tema em análise:

    Mathematical Foundations of Neuroscience – G. Bard Ermentrout, David H. Terman Pdf: https://mega.nz/#!Pt1zyITD!N2w1LVr2TBxqkfax3c6W517qQQsY8jvV7P3PQqTxxE4

    Essa falha se deve ao hábito de não esclarecer os fatos à luz da ciência moderna, deixando de lado o estudo sobre a n-dimensionalidade dos sistemas dinâmicos. Vide ICA (independent component analysis-análise de componentes independentes), o foco primário da ICA é resolver o problema clássico da separação de fontes cegas (BSS).

    Mais um exemplo:

    O fluxo de neurônios percebe o ambiente da seguinte forma:

    θ = estímulo
    P = probabilidade de distribuição ==> P(.)
    p = ambiente ==> P(.) = probabilidade de distribuição ==> P(D|θ)
    P(D|θ) ==> θ ==> D (dados neurais)
    P(.)|==> θ1,…,θN ==> W = P(D|p) ==> D = d1,…dn ==> θ(estimulador)
    W = redes neurais (subespacialidade)

    Vide ICA: https://astro.temple.edu/~alan/files/ICA.PDF

    Abs.

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    1. Prezado Reinaldo,
      muito obrigado pela visita ao site e pelo comentário. Suas considerações são ótimas. Mas vou por outra vertente para te responder. Você trouxe uma questão muito complicada para eu tratar aqui. Limitação minha e que também foge do objetivo do blog.

      Concordo com você sobre a falha no conceito de mente na Psicologia, Psiquiatria e Neurociências, o que gera uma falta de operacionalização do conceito para realizar boas pesquisas. Uma boa teoria permite prever dados, a neurociência e Psicologia caminham para isso, mas com descobertas isoladas.

      Sobre a questão dos fluxos cognitivos, eles geram problemas de certa forma semelhantes: como operacionalizá-los? Como fazer um estudo testando variáveis?

      Não conheço o autor que citou, vou até pegar um tempo para ler sobre. No enfoque filosófico, Steven Mithen trabalha também a ideia dos fluxos cognitivos. Outros autores falam em problema mente-cérebro-corpo-consciência. Gregg Henriques, por exemplo, aponta que a mente pode ser concebida como um fluxo de informações através do sistema nervoso, que é diferente da base biológica (neurônios, bioquímica etc.). Daí novamente vem a ideia de fluxos.

      Não acho que exista um hábito de não esclarecer os fatos utilizando a ciência moderna, a questão é metodológica mesmo. Precisamos sempre de um método que seja replicável, com controle de variáveis, o que pode permitir a generalização dos resultados. Os métodos vão evoluir com a tecnologia, novas formas de enxergar os mesmos problemas.

      O caso do Phineas Gage é um bom exemplo, ele sofreu as lesões cerebrais e houve alterações comportamentais. Já um brasileiro (caso Eduardo) sofreu lesões cerebrais com um vergalhão e aparentemente não houve sequelas. Mesmo perdendo 11% do cérebro! (Tem uma reportagem aqui: http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/05/brasileiro-ferido-por-vergalhao-e-estudado-por-neurocientistas-em-ny.html)

      Ainda falta o principal para as ciências da “mente”: não há uma teoria unificadora da mente, do funcionamento mental, sobre como mente se relaciona com consciência, senciência, percepção, memórias, atenção e etc.. Na biologia a teoria da evolução conseguiu e consegue unificar tudo, mas na psicologia/neurociências ainda não chegamos lá.

      Eu gosto mais da corrente do “mysterianism”. Ela aponta que o cérebro não é capaz de entender como a consciência surge da atividade neural. Não teríamos capacidade/habilidade cognitiva para isso. Indo além, o cérebro é incognoscível para o ser humano. Mas vai saber o que vem pela frente…

      Muito obrigado pelas informações que me trouxe, sempre é ótimo tentar entender novas explicações!
      Abraço,
      Bruno
      P.S.: desculpe a demora em responder.

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