Bruno Marinho de Sousa
Se você está aqui no meu blog provavelmente já ouviu falar de Terapia Cognitivo-Comportamental. Se você estuda Psicologia, já ouviu falar bem ou mal dessa Terapia. Não tem meio termo. Aproveitando esse ponto, uma das maiores críticas que a TCC sofre é que ela “é um conjunto de técnicas”, sem nenhuma base teórica (isso eu já ouvi de uma professora de Psicologia). Outras pessoas falam que ela não vai “na causa dos problemas”, “é superficial” (profissionais de outras abordagens falam isso).

O mais interessante das críticas é que elas são feitas por pessoas que não estudam a Terapia Cognitivo-Comportamental. Essas mesmas pessoas não leem artigos da área e, muito provavelmente, só repetem discursos prontos que aprenderam na faculdade. E isso acaba sendo repetido pelos alunos de professores que repetem essas asneiras.
Então vamos aproveitar que você tem a mente aberta, por isso está aqui no blog, e entender uma das bases filosóficas da Terapia Cognitivo-Comportamental.
Estoicismo
Aqui vou abordar essa filosofia de modo mais simples (o que tem tudo a ver com ela) e breve. Se quiser se aprofundar, leia os textos das referências.

O fundador do Estoicismo foi Zenão de Cítio (333 a. C. – 264 a. C.), que era um mercador na cidade de Cítio (ilha de Chipre). Ele perdeu o que tinha num naufrágio e acabou em Atenas, onde conheceu as ideias filosóficas de Sócrates, Platão e Aristóteles. Isso o influenciou profundamente e ele passou a viver uma mais simples, com base na paz de espírito, buscando uma “vida boa“. E com isso fundou sua própria escola filosófica.
Os estoicos propunham que vivêssemos em harmonia com a natureza. E de acordo com o pensamento da época, isso significava viver em harmonia com consigo mesmo, com a humanidade e o universo. E para isso é necessário usar a razão (o tal logos na filosofia).
Outro ponto importante era viver com virtude. Aqui vem um grande diferencial do Estoicismo. Muitas filosofias não tinham uma “praticidade” (no sentindo de responder questões cotidianas). Então ter virtude não era falar sobre isso, mas sim viver com virtude e mostrar-se assim.
Os pontos-chave para Psicologia
Controle sobre a vida
A principal tarefa da vida é esta: identificar e separar as questões de forma que eu possa claramente identificar quais são externas e não estão sob meu controle, e quais estão relacionadas às escolhas que eu controlo. Onde, então, eu olharia em busca do bem e do mal? Não para fatores externos incontroláveis, mas para dentro de mim mesmo, para as escolhas que são minhas… Epíteto

Essa frase é um resumo do ponto mais importantes do Estoicismo para a Psicologia, em especial para a Terapia Cognitivo-Comportamental¹. Não temos controle sobre eventos externos. Não conseguimos mudar o passado e nem as pessoas. Não podemos depender da esperança que o mundo irá mudar, ou que as pessoas irão ter “consciência” e mudar.
Podemos depender apenas de nós mesmos e das nossas escolhas agora, no presente. Mas o grande problema disso é que ao escolher, temos que nos responsabilizar. Então o Estoicismo nos coloca de protagonistas da nossa própria vida, o que nos dá Responsabilidade sobre nós mesmos.
Então não adianta culpar o chefe, o marido, a esposa, os filhos, a posição dos planetas, as forças “ocultas”, a energia “negativa” das pessoas, nada disso. Você quem escolhe sobre sua vida. Seu chefe é ruim, procure outro emprego, fale com ele. É isso que está no seu controle.
Quando você não decide sobre sua vida, você terceiriza isso, deixa para as outras pessoas a responsabilidade sobre você. Esse é um dos pontos mais difíceis da terapia. A pessoa precisará parar de “terceirizar” o que acontece na sua vida e assumir o controle. Não vai ter mais: “ah, mas ele (a) tem que mudar”, “meu casamento não dá certo porque fulana (o) não muda”.
As Emoções
Para os estoicos as emoções possuem 3 categorias: indiferentes (neutras), ruins e boas. E o foco é nas emoções ruins, pois essas podem ser destrutivas, prejudicando uma vida com virtude. Então o que deveríamos fazer?
Aprender a lidar com as emoções. Não tem como mudarmos o que aconteceu, não tem como mudarmos o que a pessoa fez ou disse. Mas podemos mudar nossa visão sobre o que de ruim nos aconteceu (esse é um dos pilares da Terapia Cognitivo-Comportamental, onde trabalhamos bastante as Distorções Cognitivas).
Então o que está no seu controle é a interpretação que dá ao evento. E não no evento em si. Leia o que Epíteto tem a dizer sobre isso:
“Os homens são perturbados não pelas coisas, mas pelas opiniões que eles têm delas. A morte, por exemplo, nada tem de terrível, senão tê-lo-ia parecido assim a Sócrates. Mas a opinião que reina em relação à morte, eis o que a faz parecer terrível a nossos olhos. Por conseguinte, quando estivermos embaraçados, perturbados ou penalizados, não o atribuamos a outrem, mas a nós próprios, isto é, às nossas próprias opiniões. Quem acusa os outros pelos próprios infortúnios revela uma total falta de educação; quem acusa a si mesmo mostra que a sua educação já começou; mas quem não acusa nem a si mesmo nem aos outros revela que sua educação está completa” Epíteto
Aqui ele nos explica de maneira bem simples como lidar com as emoções fortes e ruins. É o que pensamos e interpretamos sobre o que aconteceu que determina a emoção. Então não devemos culpabilizar os outros pelo que nos aconteceu, mas sim nos perguntamos: por que EU estou reagindo assim? Por que EU me sinto dessa forma quando isso acontece? Em outras palavras: “forma como o sujeito interpreta o fato determina como este se sente e se comporta” (leia mais em Barbosa, Terroso e Argimon, 2014).
E outro ponto importante é sobre as emoções que surgem de forma involuntária? Por exemplo, quando somos surpreendidos (as) com algo. Nós devemos observá-las e ficarmos indiferentes, pois elas são apenas uma reação corporal natural, que irá passar.
Na prática
E se você acha que isso é papo furado, coisa de filósofo ou psicólogo que não tem mais o que fazer, saiba que essa forma de ver e encarar o mundo foi usada tanto por um ex-escravo quanto por um imperador.
Epíteto foi um ex-escravo. Seu nome significa “ganhado” e ganhou sua liberdade após a morte de Nero. Com isso passou a lecionar filosofia e sua filosofia inspirou Marco Aurélio, o imperador-filósofo.
Se quiser entender como o Estoicismo pode te ajudar a lidar com a Raiva, a Ira, a Frustração, assista esse vídeo que o filósofo Alain de Botton fez sobre Sêneca, talvez o maior filósofo do Estoicismo. Esse episódio faz parte da série: Filosofia: Um Guia para Felicidade.
E se você acha que isso é papo furado, coisa de filósofo ou psicólogo que não tem mais o que fazer, saiba que essa forma de ver e encarar o mundo foi usada tanto por um ex-escravo quanto por um imperador.
Epíteto foi um ex-escravo. Seu nome significa “ganhado” e ganhou sua liberdade após a morte de Nero. Com isso passou a lecionar filosofia e sua filosofia inspirou Marco Aurélio, o imperador-filósofo.
Vários princípios dos Estoicismo ainda se aplicam perfeitamente ao nosso mundo. Então aqui vai algumas dicas dos estoicos, que a Terapia Cognitivo-Comportamental também usa:
- “Não espere que o mundo seja como você deseja, mas sim como ele realmente é. Dessa forma, você terá uma vida tranquila” (Epíteto).
Em outras palavras: Viva o presente, faça suas escolhas de acordo com suas virtudes. “Se você está sofrendo por coisas externas, não são elas que estão te perturbando, mas o seu próprio julgamento sobre elas. E está em seu poder anular este julgamento agora” (Marco Aurélio).
Exemplo: quando alguém te ofende, não adianta ficar pensando no que a pessoa deveria ou não ter dito, não adianta focar no que queria que tivesse acontecido, devemos focar no que aconteceu: uma pessoa nos disse algumas palavras e essas palavras provocaram emoções. Então: por que eu reagi assim? Por que eu interpretei a situação dessa forma? Por que eu achei e acho isso tão importante para gastar meu tempo com isso? - “Se você deseja acabar com todas as preocupações, parta do princípio de que aquilo que teme que possa acontecer e certamente irá acontecer” (Sêneca).
Em outras palavras: a ideia não é ser pessimista, mas nos prepararmos para os grandes problemas, gerar baixas expectativas de controle sobre a vida e, principalmente, ao se preparar para o pior, você já sabe o que pode acontecer! Como ainda diria Sêneca: “Nunca prevemos o infortúnio até que ele nos bate à porta”. - “Temos muito mais respeito pelo que os nossos vizinhos pensam de nós do que pelo que pensamos de nós mesmos” (Marco Aurélio).
Em outras palavras: aprenda a se conhecer, aprenda a se respeitar, aprenda e se colocar em nível de igualdade com todos. Lembre-se Marco Aurélio era um imperador e Epíteto um ex-escravo, ambos viam o mundo de forma semelhante.
Quer melhorar ainda mais o exercício? Teste um dia viver de acordo com a frase:
“Que cada coisa que você faça, fale, seja ou pretenda ser, seja como se você estivesse à beira da morte.”
Pense em como gostaria de levar a vida dentro da sua realidade (é claro). Que horas você gostaria de acordar? O que gostaria de fazer pela manhã? E pela tarde? E à noite? Queria tomar café com seus filhos? Queria fazer exercícios pela manhã ou noite? Seria uma pessoa mais carinhosa? Trocaria de emprego? Aprenderia um idioma? Leria mais?
Assista esse vídeo para ter uma excelente introdução ao pensamento do Estoicismo.
Leia mais:
Leia a série de textos sobre Estoicismo no site Medium: Estoicismo Diário.
- Estoicismo, a filosofia de 2 mil anos cada vez mais usada como receita para sobreviver ao caos, texto da BBC.
- ‘ dos Santos, D. V. C., & Range, B. I. Z. (2017). História antiga e usos do passado: ressignificações do pensamento de Sêneca pela abordagem cognitivo-comportamental da ciência psicológica. Mnemosine, 13(2).
- Barbosa, Arianne de Sá, Terroso, Lauren Bulcão, & Argimon, Irani Iracema de Lima. (2014). Epistemologia da terapia cognitivo-comportamental: casamento, amizade ou separação entre as teorias?. Boletim – Academia Paulista de Psicologia, 34(86), 63-79. Recuperado em 25 de feveiro de 2020, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-711X2014000100006&lng=pt&tlng=pt.

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