Definir objetivos é difícil…
Ir para a Psicoterapia já é difícil (LINK PRIMEIRA SESSÃO). E depois de ir, ainda ter que definir objetivos? Será que isso realmente é necessário?? Não deve ser o papel do Psicólogo?
Vamos entender o motivo pelo qual ter objetivos é importante.
Imagine que você decide mudar de carreira ou comprar uma casa. Qual é a primeira imagem que vem à mente? Talvez um “quero ganhar mais” ou “quero sair do aluguel”. Mas sem detalhes, você sabe por onde começar? Essa falta de clareza é comum. Ganhar um real a mais, é ganhar mais. Existem milhares de casas para venda, sem definir o que quer, qualquer uma serve, mas nenhuma serve também!

No texto “Definindo Objetivos Claros e Específicos” eu dou um exemplo de alguém que quer ganhar mais. Mas sem definir o que quer, fica difícil mudar. Daí o resultado pode ser procrastinação e frustração.
Na Psicologia Clínica isso não é diferente. Geralmente vocês clientes chegam para a psicoterapia com objetivos e demandas vagas (“quero ser feliz”, “quero me sentir melhor”, “não quero mais ser assim”, “não quer me sentir assim”).
E Psicólogas (os) iniciantes podem sentir dificuldade em transformar esses desejos em objetivos terapêuticos operacionais. Então se você quer iniciar a psicoterapia, ou se você é estudante e tem dúvidas de como fazer isso, vamos aprender um modelo para criar objetivos claros para psicoterapia.
Por que objetivos vagos atrapalham?
Quando um objetivo é impreciso, fica difícil saber o que fazer e medir progresso. Sem clareza, a mente tende a adiar tarefas – nosso cérebro prefere a rotina e economizar energia. Em outras palavras, se você não sabe exatamente qual meta quer alcançar, a tendência é deixar para depois ou ficar preso em tentativas sem direção. Por isso, definir metas específicas e operacionais diminui a procrastinação e aumenta a motivação.
O que é um objetivo “operacional”?
Um objetivo operacional é aquele que você consegue visualizar na prática, entendendo os passos, as etapas, necessários para alcançá-lo, entendendo se está no caminho e vai saber quando o atingiu. Por exemplo, em vez de “quero ganhar mais e viajar mais”, a pessoa estabelece: “quero aumentar minha renda em 30 % em dois anos para fazer uma viagem anual para algum país e outra para um estado brasileiro”. Essa definição permite planejar etapas, medir progresso e ajustar expectativas.
Para criar objetivos operacionais, a técnica S.M.A.R.T. é muito útil:

- S (Specific – específico): descreva claramente o que quer.
- M (Measurable – mensurável): defina como avaliar o progresso.
- A (Attractive – atraente): o objetivo precisa fazer sentido e ser motivador para o cliente.
- R (Realistic – realista): deve ser possível dentro das capacidades e contexto de vida.
- T (Time‑bound – temporal): estabeleça um prazo para a meta e para cada etapa.
No consultório, utilizar o S.M.A.R.T ajuda a (o) cliente a transformar desejos e demandas difusos em metas concretas, criando marcos que indicam avanços. Isso ajuda os dois lados da psicoterapia (cliente e psicólogo) a entender melhor um ao outro.
O papel do autocontrole na realização de objetivos
Definir objetivos é apenas o primeiro passo; é preciso agir de forma coerente para alcançá-los. O importante de ter objetivos é que isso pode ajudar a ter também mais Autocontrole.
E o autocontrole é necessário quando enfrentamos um conflito entre gratificação imediata e consequências a longo prazo. Comer algo calórico pode dar prazer instantâneo, mas atrapalha o objetivo de emagrecer; responder a alguém no impulso alivia a raiva, mas prejudica o relacionamento.
Aprenda mais sobre autocontrole: Autocontrole: Você pode treinar!
Para treinar o autocontrole, você pode usar uma Análise Funcional do Comportamento bem simples. Você pode analisar três aspectos:
- Antecedentes (situação): quando, onde e com quem o comportamento ocorre?
- Respostas: quais emoções e ações aparecem? Com que frequência?
- Consequências: o que acontece depois? As pessoas se afastam? Você se sente culpado?
Compreender esse ciclo ajuda a identificar gatilhos e ajustar respostas para se ter mais autocontrole e focar nos seus objetivos. Outras estratégias incluem meditar para conhecer as próprias emoções, criar “engenharias” para evitar tentações (por ex., como comer antes de sair para beber), ver o ponto de vista do outro e buscar as causas profundas do comportamento.
E lembre-se que toda capacidade humana pode ser treinada – inclusive paciência e autocontrole. Para você (cliente), isso significa que pequenas práticas diárias (respiração, atenção plena, registro de pensamentos) fortalecem a capacidade de seguir o plano estabelecido e atingir seus objetivos.
Como definir objetivos terapêuticos em parceria com o cliente
Agora uma dica para vocês psicólogos iniciantes:
- Escute a queixa e busque o contexto. Entenda o que motivou a procura pela terapia e como o problema afeta diferentes áreas da vida, como família, trabalho, lazer, a pessoa com ela mesma.
- Pergunte “qual seria um bom resultado?”. Muitas vezes o cliente fala “quero parar de sofrer”; investigue o que isso significa na rotina, onde vai parar de sofrer, o que seria diferente se parasse de sofrer.
- Use o S.M.A.R.T. Pergunte sobre detalhes, prazos e o que indicaria progresso (por exemplo, não se estressar quando alguém fizer uma coisa x).
- Verifique se a meta é atraente e realista. Um objetivo precisa conectar‑se a Valores Pessoais importantes para a pessoa e estar dentro de suas possibilidades de vida; caso contrário, gera frustração. E lembre-se, os objetivos devem estar dentro do papel da psicoterapia.
- Divida em objetivos intermediários. Grandes mudanças exigem etapas menores que funcionem como reforçadores.
- Integre estratégias de autocontrole. Ensine técnicas para lidar com impulsos e emoções que possam sabotar o processo (como meditação, registros de pensamento, solução de problemas).
- Reavalie periodicamente. Ajuste metas conforme o cliente cresce e novas questões surgem.
Usando salário fica muito fácil de entender o poder do SMART. Mas e com emoções? Será que dá pra usar?
Durante as sessões é comum as pessoas definirem objetivos como: “quero ser menos ansiosa” ou “preciso deixar de me estressar”. O que é muito vago e difícil até de entender. A ideia do SMART (Específico, Mensurável, Alcançável, Relevante e Temporal) é justamente transformar algo vago em um plano concreto, mais fácil de entender
Aqui vou colocar um exemplo de como trabalhar o estresse e ansiedade. A tabela foi inspirada nas abordagens da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) (Hayes, 2022) e práticas de autocompaixão (Neff, 2019).
Exemplo SMART: “Quero ser menos ansiosa no dia a dia”
Objetivo: meditar, praticar mindfulness ou respiração consciente por 20 minutos
| Critério | Aplicação ao objetivo |
|---|---|
| eSpecífico | Praticar 20 minutos de respiração consciente ou mindfulness, 3 vezes por semana, quando notar sinais de ansiedade (ex.: aperto no peito, pensamentos acelerados). |
| Mensurável | Registrar em um diário simples (ou aplicativo) cada prática realizada e a intensidade da ansiedade antes/depois (de 0 a 10). |
| Alcançável | Começar com 5 minutos, em vez de tentar meditar 20 por dia. Ajustar conforme a rotina permitir e ter mais habilidade. |
| Realista | Reduzir o impacto do estresse e da ansiedade no trabalho e no sono, melhorando bem-estar geral. |
| Temporal | Avaliar resultados em 4 semanas e revisar o objetivo com o terapeuta/supervisor, se necessário. |
Esse tipo de formulação torna o objetivo palpável e monitorável, ou seja, ele se torna operacional. E, dentro da psicoterapia, ainda abre espaço para a flexibilidade psicológica (ACT) e para a autocompaixão: se um dia não conseguir praticar, não é “fracasso”, mas parte do processo
E para quem busca terapia?
Se você é cliente e está iniciando psicoterapia, tente pensar em o que espera ganhar, mudar, alcançar com esse processo. Pergunte-se se seu objetivo é específico para você, se faz sentido, se é mensurável, atraente, realista e temporal. Lembre-se de que sentir desconforto faz parte do crescimento e que desenvolver autocontrole leva tempo. E mudanças profundas exigem grandes alterações na vida.
Então: clareza + autocontrole = mudança
Transformar desejos e demandas em objetivos claros e treiná-los com autocontrole são duas faces do mesmo processo de mudança. Quando você sabe com mais clareza aonde quer chegar e aprende a lidar com os impulsos que desviam do caminho, a jornada se torna mais leve e eficaz.
A técnica S.M.A.R.T. com estratégias de autocontrole enriquece o plano terapêutico. E isso é apenas uma das formas de se estabelecer objetivos. Para quem procura terapia, ter clareza do que quer mudar e estar disposto a treinar novas habilidades é o passo mais importante.
Referências
Definindo objetivos claros e específicos. Psicologia Catalão. Definindo objetivos claros e específicos
Autocontrole: você pode treinar!. Psicologia Catalão.
Hayes, S. C., Strosahl, K. D., & Wilson, K. G. (2022). Aprendendo ACT: manual de habilidades da terapia de aceitação e compromisso para terapeutas (2ª ed.). Porto Alegre: Artmed.
Neff, K. (2019). Manual de mindfulness e autocompaixão: um guia para construir força interior e prosperar na vida. Porto Alegre: Artmed.
