Definir metas na terapia: Como transformar desejos em objetivos

imagem de uma mão sobre um caderno para escrever objetivos

Definir objetivos é difícil…

Ir para a Psicoterapia já é difícil (LINK PRIMEIRA SESSÃO). E depois de ir, ainda ter que definir objetivos? Será que isso realmente é necessário?? Não deve ser o papel do Psicólogo?

Vamos entender o motivo pelo qual ter objetivos é importante.

Imagine que você decide mudar de carreira ou comprar uma casa. Qual é a primeira imagem que vem à mente? Talvez um “quero ganhar mais” ou “quero sair do aluguel”. Mas sem detalhes, você sabe por onde começar? Essa falta de clareza é comum. Ganhar um real a mais, é ganhar mais. Existem milhares de casas para venda, sem definir o que quer, qualquer uma serve, mas nenhuma serve também!

Foto por Anna Nekrashevich em Pexels.com

No texto “Definindo Objetivos Claros e Específicos” eu dou um exemplo de alguém que quer ganhar mais. Mas sem definir o que quer, fica difícil mudar. Daí o resultado pode ser procrastinação e frustração.

Na Psicologia Clínica isso não é diferente. Geralmente vocês clientes chegam para a psicoterapia com objetivos e demandas vagas (“quero ser feliz”, “quero me sentir melhor”, “não quero mais ser assim”, “não quer me sentir assim”).

E Psicólogas (os) iniciantes podem sentir dificuldade em transformar esses desejos em objetivos terapêuticos operacionais. Então se você quer iniciar a psicoterapia, ou se você é estudante e tem dúvidas de como fazer isso, vamos aprender um modelo para criar objetivos claros para psicoterapia.

Por que objetivos vagos atrapalham?

Quando um objetivo é impreciso, fica difícil saber o que fazer e medir progresso. Sem clareza, a mente tende a adiar tarefas – nosso cérebro prefere a rotina e economizar energia. Em outras palavras, se você não sabe exatamente qual meta quer alcançar, a tendência é deixar para depois ou ficar preso em tentativas sem direção. Por isso, definir metas específicas e operacionais diminui a procrastinação e aumenta a motivação.

O que é um objetivo “operacional”?

Um objetivo operacional é aquele que você consegue visualizar na prática, entendendo os passos, as etapas, necessários para alcançá-lo, entendendo se está no caminho e vai saber quando o atingiu. Por exemplo, em vez de “quero ganhar mais e viajar mais”, a pessoa estabelece: “quero aumentar minha renda em 30 % em dois anos para fazer uma viagem anual para algum país e outra para um estado brasileiro”. Essa definição permite planejar etapas, medir progresso e ajustar expectativas.

Para criar objetivos operacionais, a técnica S.M.A.R.T. é muito útil:

S.M.A.R.T.
  • S (Specific – específico): descreva claramente o que quer.
  • M (Measurable – mensurável): defina como avaliar o progresso.
  • A (Attractive – atraente): o objetivo precisa fazer sentido e ser motivador para o cliente.
  • R (Realistic – realista): deve ser possível dentro das capacidades e contexto de vida.
  • T (Time‑bound – temporal): estabeleça um prazo para a meta e para cada etapa.

No consultório, utilizar o S.M.A.R.T ajuda a (o) cliente a transformar desejos e demandas difusos em metas concretas, criando marcos que indicam avanços. Isso ajuda os dois lados da psicoterapia (cliente e psicólogo) a entender melhor um ao outro.

O papel do autocontrole na realização de objetivos

Definir objetivos é apenas o primeiro passo; é preciso agir de forma coerente para alcançá-los. O importante de ter objetivos é que isso pode ajudar a ter também mais Autocontrole.

E o autocontrole é necessário quando enfrentamos um conflito entre gratificação imediata e consequências a longo prazo. Comer algo calórico pode dar prazer instantâneo, mas atrapalha o objetivo de emagrecer; responder a alguém no impulso alivia a raiva, mas prejudica o relacionamento.

Aprenda mais sobre autocontrole: Autocontrole: Você pode treinar!

Para treinar o autocontrole, você pode usar uma Análise Funcional do Comportamento bem simples. Você pode analisar três aspectos:

  • Antecedentes (situação): quando, onde e com quem o comportamento ocorre?
  • Respostas: quais emoções e ações aparecem? Com que frequência?
  • Consequências: o que acontece depois? As pessoas se afastam? Você se sente culpado?

Compreender esse ciclo ajuda a identificar gatilhos e ajustar respostas para se ter mais autocontrole e focar nos seus objetivos. Outras estratégias incluem meditar para conhecer as próprias emoções, criar “engenharias” para evitar tentações (por ex., como comer antes de sair para beber), ver o ponto de vista do outro e buscar as causas profundas do comportamento.

E lembre-se que toda capacidade humana pode ser treinada – inclusive paciência e autocontrole. Para você (cliente), isso significa que pequenas práticas diárias (respiração, atenção plena, registro de pensamentos) fortalecem a capacidade de seguir o plano estabelecido e atingir seus objetivos.

Como definir objetivos terapêuticos em parceria com o cliente

Agora uma dica para vocês psicólogos iniciantes:

  1. Escute a queixa e busque o contexto. Entenda o que motivou a procura pela terapia e como o problema afeta diferentes áreas da vida, como família, trabalho, lazer, a pessoa com ela mesma.
  2. Pergunte “qual seria um bom resultado?”. Muitas vezes o cliente fala “quero parar de sofrer”; investigue o que isso significa na rotina, onde vai parar de sofrer, o que seria diferente se parasse de sofrer.
  3. Use o S.M.A.R.T. Pergunte sobre detalhes, prazos e o que indicaria progresso (por exemplo, não se estressar quando alguém fizer uma coisa x).
  4. Verifique se a meta é atraente e realista. Um objetivo precisa conectar‑se a Valores Pessoais importantes para a pessoa e estar dentro de suas possibilidades de vida; caso contrário, gera frustração. E lembre-se, os objetivos devem estar dentro do papel da psicoterapia.
  5. Divida em objetivos intermediários. Grandes mudanças exigem etapas menores que funcionem como reforçadores.
  6. Integre estratégias de autocontrole. Ensine técnicas para lidar com impulsos e emoções que possam sabotar o processo (como meditação, registros de pensamento, solução de problemas).
  7. Reavalie periodicamente. Ajuste metas conforme o cliente cresce e novas questões surgem.

Usando salário fica muito fácil de entender o poder do SMART. Mas e com emoções? Será que dá pra usar?

Durante as sessões é comum as pessoas definirem objetivos como: “quero ser menos ansiosa” ou “preciso deixar de me estressar”. O que é muito vago e difícil até de entender. A ideia do SMART (Específico, Mensurável, Alcançável, Relevante e Temporal) é justamente transformar algo vago em um plano concreto, mais fácil de entender

Aqui vou colocar um exemplo de como trabalhar o estresse e ansiedade. A tabela foi inspirada nas abordagens da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) (Hayes, 2022) e práticas de autocompaixão (Neff, 2019).

Exemplo SMART: “Quero ser menos ansiosa no dia a dia”

Objetivo: meditar, praticar mindfulness ou respiração consciente por 20 minutos

CritérioAplicação ao objetivo
eSpecíficoPraticar 20 minutos de respiração consciente ou mindfulness, 3 vezes por semana, quando notar sinais de ansiedade (ex.: aperto no peito, pensamentos acelerados).
MensurávelRegistrar em um diário simples (ou aplicativo) cada prática realizada e a intensidade da ansiedade antes/depois (de 0 a 10).
AlcançávelComeçar com 5 minutos, em vez de tentar meditar 20 por dia. Ajustar conforme a rotina permitir e ter mais habilidade.
RealistaReduzir o impacto do estresse e da ansiedade no trabalho e no sono, melhorando bem-estar geral.
TemporalAvaliar resultados em 4 semanas e revisar o objetivo com o terapeuta/supervisor, se necessário.

Esse tipo de formulação torna o objetivo palpável e monitorável, ou seja, ele se torna operacional. E, dentro da psicoterapia, ainda abre espaço para a flexibilidade psicológica (ACT) e para a autocompaixão: se um dia não conseguir praticar, não é “fracasso”, mas parte do processo

E para quem busca terapia?

Se você é cliente e está iniciando psicoterapia, tente pensar em o que espera ganhar, mudar, alcançar com esse processo. Pergunte-se se seu objetivo é específico para você, se faz sentido, se é mensurável, atraente, realista e temporal. Lembre-se de que sentir desconforto faz parte do crescimento e que desenvolver autocontrole leva tempo. E mudanças profundas exigem grandes alterações na vida.

Então: clareza + autocontrole = mudança

Transformar desejos e demandas em objetivos claros e treiná-los com autocontrole são duas faces do mesmo processo de mudança. Quando você sabe com mais clareza aonde quer chegar e aprende a lidar com os impulsos que desviam do caminho, a jornada se torna mais leve e eficaz.

A técnica S.M.A.R.T. com estratégias de autocontrole enriquece o plano terapêutico. E isso é apenas uma das formas de se estabelecer objetivos. Para quem procura terapia, ter clareza do que quer mudar e estar disposto a treinar novas habilidades é o passo mais importante.


Referências

Definindo objetivos claros e específicos. Psicologia Catalão. Definindo objetivos claros e específicos

Autocontrole: você pode treinar!. Psicologia Catalão.

Hayes, S. C., Strosahl, K. D., & Wilson, K. G. (2022). Aprendendo ACT: manual de habilidades da terapia de aceitação e compromisso para terapeutas (2ª ed.). Porto Alegre: Artmed.

Neff, K. (2019). Manual de mindfulness e autocompaixão: um guia para construir força interior e prosperar na vida. Porto Alegre: Artmed.


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