Bruno Marinho de Sousa
Ao cuidarmos do nosso dia a dia nem nos damos conta de quanta informação nosso cérebro processa a todo momento e de maneira simultânea. Lembre-se, nós usamos toda a capacidade do nosso cérebro, nada de apenas 10%.
Dentre várias estruturas, o tálamo processa e transmite informações sensoriais para diversas partes do cérebro. Ele se localiza na região central profunda do cérebro. Se as informações indicarem alguma ameaça em potencial, o tálamo se comunicará com uma estrutura chamada amígdala¹.
A amígdala tem a capacidade de associar estímulos com respostas emocionais, de forma rápida e eficiente. Ela é responsável por reações emocionais ligadas ao medo e perigo/ameaças, como detectar, gerar e manter reações comportamentais e fisiológica, ainda reconhecer expressões faciais de medo. Muitas vezes sem necessidade de repetição. Ela é uma estrutura cerebral em forma de amêndoa que faz parte do sistema límbico (responsável pelas respostas emocionais), e se comunica com o hipocampo (responsável pelas memórias de longo prazo).
Devido a amígdala nosso cérebro tem uma excelente capacidade de responder aos mais diversos tipos de situações ameaçadoras. Tendo liberdade no exemplo, é como se ela se fizesse constantemente a pergunta: “Estou segura (o)?”. Para a amígdala é melhor prevenir que remediar.
Mas por que a amígdala associa estímulos com emoções?
Bem, esse tipo de reação é muito importante para nós porque garante nossa sobrevivência. Explicando melhor. Imagine nossos antepassados andando pelas savanas e de repente ouvem um rugido de um leão. Os que aprenderam e reagiram de forma mais lenta tiveram menos chance de sobreviver. Os que reagiram mais rápido tiveram alguns segundos, ou até milissegundos, para esboçar uma reação. Pode parecer pouco, mas faz toda diferença numa situação dessas.
Você já reparou que às vezes um grito, um som alto de carro freando, uma pessoa que aparece do nada gera uma reação emocional tão forte e rápida que nem a percebemos? Pois é, é a amígdala em ação. Um exemplo bobo são as pegadinhas da televisão, alguém escondido aparece do nada e as pessoas têm as mais diversas reações, dificilmente ficam indiferentes…
É a amígdala que vai orquestrar a resposta no cérebro e, com isso várias partes do corpo, para responder às ameaças. Quando ela funciona bem, está tudo ok. Mas às vezes ela pode falhar… Ela pode ativar o medo ou o modo de fuga em situação em que não há perigo. É o falso-positivo.
Um exemplo pessoal:
uma vez o ônibus em que eu estava viajando foi assaltado. Entrou um assaltante armado e passou uma sacola pedindo para todo mundo entregar os pertences. A sacola tinha um cheiro forte de perfume ruim, o assaltante falava muitas gírias e tinha um tom de voz muito particular. Houve mais coisas, como eles atirarem para assustar e etc. Cheguei no meu destino, peguei um voo e fui para outro lugar. Nesse lugar eu ouvi alguém com tom de voz parecido. O que acha que aconteceu? Senti uma forte reação emocional (medo/ansiedade). Mas não havia perigo ali, foi o que minha amígdala associou (aprendeu) para tentar me proteger e me preparar para agir.
Essa capacidade nos ensina a evitar o que causou essa forte emoção (por exemplo, eu não viajar mais de ônibus de madrugada). A partir disso a amígdala vai nos alertar sempre que aquilo é perigoso. Essa associação tem efeito de longa duração.
E isso tem como “desaprender”???
Claro que tem. Quanto mais você se expor a situação, ou trabalhar isso mentalmente, a amígdala vai aprender que não há mais perigo ali e vai parar de se ativar. O nome disso é extinção comportamental (ou operante).
Isso é algo que, por exemplo, trabalhamos em terapia com as pessoas que sofrem transtorno de estresse pós-traumático. A pessoa passar por uma situação estressante (assalto, sequestro, briga, acidente…) e o cérebro irá associar vários elementos da situação com as fortes emoções sentidas. Depois do perigo ter passado, a pessoa tende a sentir fortes emoções quando ouve falar sobre a situação, quando ouve um barulho que lembre a situação, quando sente um cheiro que remeta ao evento. E ela passa a sentir uma forte ansiedade constantemente, ter pesadelos, evitar sair de casa, pessoas e etc.
Em terapia um procedimento básico para tirar essa associação entre estímulo e emoção forte, que fisso é a Dessensibilização Sistemática. Ela funciona, grosso modo, assim:
- treinar técnicas de relaxamento (muscular, respiratório), mindfulness, meditação;
- criar uma hierarquia de elementos associados à situação e às emoções (ex.: medo de avião – ver a imagem a seguir);
-
associar o relaxamento a cada uma das situações.
Assim as memórias não mais gerarão uma resposta emocional forte porque houve um novo aprendizado (ou como chamamos, contracondicionamento). Isso vai diminuindo aos poucos a associação feita pela amígdala.
Esse tipo de trabalho mostra como nosso cérebro tem uma incrível capacidade de flexibilidade cognitiva e plasticidade neuronal. Isso quer dizer que podemos, com treinamento e com a própria experiência de vida, mudar e moldar nosso cérebro e nossa forma de interpretar o mundo. Quer treinar seu cérebro? Leia, estude, ouça música, aprenda a tocar um instrumento musical, converse com as pessoas, assista filmes, faça terapia.
Leia mais:
- A amígdala e a tênue fronteira entre memória e emoção, de ALBUQUERQUE, Fabíola da Silva Albuquerque e Regina Helena Silva, para a Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul.
- Carros, aviões e sua amígdala, de Suzana Herculano-Houzel, para a Folha de São Paulo.
- Extinção operante e suas implicações: uma análise do uso em um episódio do programa Supernanny, de Fernanda Resende Moreira e Joana Singer Vermes, na revista Perspectivas em Análise do Comportamento.
- Tratamento psicológico do medo de viajar de avião, a partir do modelo cognitivo: caso clínico, do autor Eduardo Augusto Remor, disponível no site educadores.diaadia, do Paraná.
- The amygdala is NOT the brain´s fear centre, do autor e neurocientista Joseph E. LeDoux, publicado em Psychology Today.
¹A amígdala cerebral nada tem a ver com a da sua garganta, essas são as tonsilas palatinas.
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