O texto a seguir foi escrito por Rui de Moraes Júnior, professor da Universidade de Brasília (UnB), para o blogPercepto, em 22 de junho de 2012.
Erros de impedimento no futebol:

Todo bom brasileiro, mesmo não sendo fanático por futebol, já deve ter alguma vez na vida ofendido o assistente do juiz, popularmente conhecido por bandeirinha, em uma partida. Quem nunca questionou a falta de preparo, competência, ou mesmo o caráter daquele profissional que tem como única função levantar uma bandeira?
A função, marcar o impedimento, parece simples: levantar a bandeira se, no momento do passe, o jogador que receber a bola estiver mais próximo do gol em relação ao último defensor (excluindo o goleiro). Porém, esta tarefa exige do profissional capacidades que vão além daquelas que seu sistema visual é capaz de realizar, relacionadas a alguns processos sensoriais e perceptivos. Entre eles a simultaneidade, a paralaxe e o flash-lag.
Simultaneidade e movimentos sacádicos
Uma das possíveis causas de erros de impedimento está relacionada ao movimento dos olhos. A todo o momento nossos olhos realizam deslocamentos para a região da fóvea, a área de visualização detalhada da cena visual, que são chamados de movimentos oculares sacádicos (MOSs). Eles possuem latência (intervalo entre a apresentação do estímulo e a reação do indivíduo) de 180-200 milissegundos (ms) e duração dependente da amplitude (distância) da sacada; mas podemos assumir que um MOS termina por volta de 250-300 ms do início do estímulo.

No momento anterior ao julgamento do lance, o assistente está olhando diretamente para um jogador de ataque com a posse de bola, e o último jogador da defesa está na periferia de seu campo visual (ou mesmo fora deste). No momento do passe, o assistente realiza um MOS para fixar na fóvea o último defensor e avaliar se o atacante que está para receber a bola se encontra antes ou depois deste defensor. Em situações como esta, ao considerarmos, por exemplo, que defensor e atacante estão na mesma linha no momento do passe, indo a direções opostas do campo a uma velocidade de 5 m/s, após um MOS de 250-300 ms, o atacante estará 2,5-3,0 m à frente do defensor (Figura 2a). Esta distância seria de 1,25-1,50 m caso o defensor estivesse parado (Figura 2b).
Vídeo 1: Recorte de reportagem exibida no dia 18/03/2012 pela Rede Globo, no programa Esporte Espetacular. Modificado do endereço migre.me/9BcwO.

Vídeo 2: Recorte de reportagem exibida no dia 18/03/2012 pela Rede Globo, no programa Esporte Espetacular. Modificado do endereço migre.me/9BcwO.
Flash-lag
Existem diferentes explicações para o efeito. Uma delas diz que a extrapolação perceptual seria um mecanismo de compensação de atrasos de transmissão no processamento perceptual de objetos em movimento. Outro modelo conceitual afirma que a aparição abrupta de estímulo visual (momento do passe) estaria associada com latências sensoriais longas em comparação a um estímulo em movimento (atacante).
muito rápida, pode interferir no julgamento do assistente. O vídeo 3 ilustra este processo.
Em uma partida, não só os assistentes estão sujeitos ao flash-lag. É possível que, quando um jogador “fura” o chute, ele tenha percebido a bola (estímulo em movimento) a frente de sua real posição após o passe efetuado pelo companheiro de time (evento abrupto que define o marcador temporal).

(O autor não possui nenhum familiar que exerça a profissão de assistente de futebol, e
é um corinthiano relapso. Sua motivação ao escrever este texto foi meramente científica)
Agradecimento ao professor Dr. Marcus Vinícius Chrysóstomo Baldo (ICB-USP), pela gentil colaboração na indicação dos artigos de referência deste texto.
• Baldo, M. V. C., Ranvaud, R. D. and Morya, E. (2002). Flag errors in soccer games: The flashlag effect brought to real life. Perception, 31,1205–1210.
• Catteeuw, P., Gilis, B., García-Aranda, J., Tresaco, F., Wagemans, J. and Helsen, W. (2010). Offside decision making in the 2002 and 2006 FIFA World Cups. Journal of Sports Sciences, 28, 1027-1032.
• Catteeuw, P., Gilis, B., Wagemans, J. and Helsen, W. (2010). Perceptual-cognitive skills in
offside decision making: Expertise and training effects. Journal of Sport & Exercise psychology, 32, 828-844.
• Oudejans, R. R. D., Verheijen, R., Bakker, F. C., Gerrits, J. C., Steinbrücken, M. and Beek, P. J. (2000). Errors in judging “offside” in football. Nature, 404, 33.
• Sanabria J., Cenjor C., Marquez F., Gutierrez R., Martinez D., Prados-Garcia J.L. (1998). Oculomotor movements and football’s Law 11. Lancet, 351, pp. 268.
• Reportagem: Ciência aponta fatores que podem atrapalhar o bandeirinha na hora de marcar o impedimento. (18/03/2012). Rede Globo. Endereço: migre.me/9BcwO .
• Reportagem: ICB estuda meios de diminuir erros de bandeirinhas de futebol. Endereço: migre.me/9zq4Q .