Bruno Marinho de Sousa
Você já dormiu mal? Teve aquela noite que foi difícil de dormir e percebeu que seu dia seguinte foi difícil, complicado?
Quando, depois de dormir, temos a sensação de cansaço, dificuldade de concentrar, humor ruim (irritação, por exemplo), isso é um sinal que não tivemos um sono restaurador.
Você sabe que dormir é muito importante, além de ser uma necessidade fisiológica. Basta uma noite mal dormida pra entender isso. Agora, imagine viver dias, meses, anos dormindo mal?
A relação entre Sono e Saúde Mental é multifatorial e complexa. Quando dormimos mal por um tempo, nossa saúde mental vai ser afetada. Por outro lado, alguns problemas psiquiátricos e psicológicos também afetam o sono, criando um círculo vicioso. E nesses casos é necessário tratamento para o problema principal (o transtorno). E o tratamento vai envolver, em algum momento, cuidar do Sono, seja como causa, ou consequência de problemas.

O que é o Sono?
Apesar de ser algo natural, cíclico e comum a vários animais (não apenas ao ser humano), ainda não é muito fácil definir o que é o Sono. O que geralmente acontece é definir-se como a pessoa fica enquanto dorme.
A partir desse ponto de vista, o Sono é entendido como um processo vital para a manutenção da saúde física, emocional e cognitiva. Ele é um processo recorrente e cíclico (fazemos regularmente), é caracterizado pela diminuição do nível de consciência, pela redução da atividade sensorial e motora. Durante o sono o nosso corpo e mente passam por processos de restauração, manutenção do equilíbrio metabólico, consolidação da memória e até de regulação emocional. E se o processo é interrompido, surgem problemas (que vou comentar a seguir no texto).
As fases do sono
Tradicionalmente nós temos 2 tipos de sono: o REM (do inglês – rapid eye moviments) com movimentos rápido dos olhos e aquele sem movimentos oculares rápidos (NREM). Ambos são fundamentais para para nossa recuperação física e mental. Cada tipo possui estágios bem definidos, agora vamos ter uma visão geral deles. A primeira parte do Sono começa com o NREM, depois o REM.
1. Sono Não REM (NREM)
O Sono NREM representa cerca de 75 a 80% do tempo de sono (adultos). Nessa fase há um relaxamento muscular em relação ao estado de vigília, os movimentos corporais diminuem significativamente, não há os movimentos rápidos dos olhos (REM), a respiração é mais regular e a temperatura corporal cai. Ele possui 4 etapas (I, II, III e IV) que vão se aprofundando nas características que citei.
De maneira bem simplificada: começamos com uma sonolência ou até um sono (é mais fácil despertamos), depois vamos um sono leve (que pode durar 50% do tempo de sono), um sono profundo – onde ocorre a fase restauradora (física e mental) e as ondas cerebrais ficam mais lentas, a atividade cardíaca está baixa.
Nessa fase a atividade respiratório e cardíaca está no mínimo. E é aqui que pode acontecer os famosos: falar dormindo, o sonambulismo e o terror noturno.
Aqui na figura você pode observar o Eletroencefalograma (EEG), que registra a atividade elétrica do cérebro, no estágio III do sono:

2. Sono REM
As principais características são a atonia muscular (a musculatura está muito relaxada), podemos emitir sons, há o REM (movimento rápido dos olhos), a respiração e o coração trabalham de forma irregular, no EEG as ondas cerebrais mudam para um padrão rápido e de baixa voltagem (parecido com a vigília) e nessa fase sonhamos!

Em relação a duração, o Sono NREM dura cerca de 90 minutos, iniciando depois o Sono REM, que dura de 5 a 10 minutos. Esse ciclo se repete de 5 a 6 vezes durante nossa noite de Sono. O ideal e natural é dormir a noite, por isso se fala noite de sono.
Nosso sono possui um ritmo biológico e natural. Agora vou te explicar sobre ele.
Ciclo Circadiano e Cronobiologia
O Ciclo Circadiano é uma espécie de relógio interno que possuímos e nos ajuda a regular nossos processo biológicos, dentro do período de um dia (o tal circadiano). Grosseiramente, ele vai determinar quando sentimos fome, sono, temperatura do corpo (lembra que ela cai durante o sono?) e até nossa capacidade de concentração. Vou dar 2 exemplos de como o Ciclo Circadiano pode nos afetar.
Já ouviu falar de melatonina? Ela é um hormônio que ajuda a induzir o sono e sua liberação ocorre pela noite, mas a luz do Sol inibe sua produção. Então o que será que acontece quando somos expostos há um período de luz menor do que estamos acostumados?
Geralmente as pessoas que ficam em regiões em que ocorre uma escuridão por longos períodos, como no Ártico, isso prejudica a produção de melatonina. Por consequência, isso afeta o ciclo sono-vigília das pessoas (leia mais aqui).
Já para quem viaja e muda de fuso horário, pode ocorrer o jet lag. Esse problema acontece quando a pessoa viaja e muda rapidamente de fuso horário, como umas 4 horas. Essa mudança de fuso desregula o ritmo biológico interno, por comparação com o que está externo. Com isso o Ciclo Circadiano fica descompensado, causando fadiga, sonolência ou insônia, dificuldade de concentração. Mas os efeitos são temporários, depois a pessoa se acostuma e se regula.
E temos a Cronobiologia, que é o estudo dos ritmos biológicos, especialmente aqueles regulados por ciclos naturais, como luz e escuridão (dia e noite). Ela é fácil de perceber: em condições normais, sentimos sono à noite e ficamos despertos de dia. Essa área também estuda como nosso metabolismo é afetado por esses ciclos naturais, bem como nossas capacidades cognitivas e o ritmo circadiano.
E os problemas do Sono?
Os problemas de Sono são vários. De acordo com estudos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), 72% dos brasileiros sofrem de doenças relacionadas ao sono, entre elas, a insônia.

A Insônia é o distúrbio de Sono mais conhecido. Ela é marcada por:
- dificuldade de adormecer;
- dificuldade em continuar dormindo após adormecer;
- despertar mais cedo do que gostaria;
- perturbação na qualidade do sono, parece que “dormiu pouco” ou “precisava dormir mais”.
Como disse anteriormente, a Insônia pode ser tanto um distúrbio ou consequência de outro problema. Em outras palavras, você realmente pode ter Insônia, ou alguma outra coisa causando a insônia (ex.: bebida, estresse, humor desregulado, alguns medicamentos, etc.).
Os dois principais tipos de Insônia são:
Dificuldade de começar a dormir (início do sono):
A pessoa deita para dormir, mas está agitada mentalmente (“cabeça cheia”), o corpo não está relaxado, deitou fora de horário. Então ela rola de um lado para o outro, quase tudo perturba a concentração pra dormir. Então surge a preocupação se vai ou não dormir e pronto, agora a ansiedade bate e vão algumas horas até adormecer.
Dificuldade na manutenção do sono:
Aqui a pessoa até consegue começar a dormir, mas acorda alguns minutos ou horas depois e não consegue voltar a dormir com facilidade. Ela é mais comum em pessoas idosas, em quem usa ou abusa de álcool, cafeína e cigarro, até alguns medicamentos podem causá-la. Também pode ser sinal de transtorno depressivo (necessita investigação profissional).
Existe também um outro problema chamado Sonolência excessiva durante o dia. Nesse caso as pessoas ficam bastante sonolentas durante o dia, chegando a mesmo ter que dormir. Nesse caso, a pessoa dorme, mas parece não ser o suficiente para ter um sono restaurador ou reparador.
Parassonias e Transtornos de movimentos
Além da Insônia, ainda temos outros problemas que podem ocorrer durante o sono. No caso, eu estou falando das Parassonias. Elas são transtornos comportamentais associados ao sono (início, meio ou despertar). Ainda temos os Transtornos do Movimento Períodico dos Membros e a Síndrome das Pernas Inquietas. Aqui tem um resumo de cada:
- Sonambulismo: quando a pessoa realiza de atividades motoras automáticas, como andar, enquanto ainda está dormindo;
- Terror Noturno: são os episódios em que se desperta de forma abrupta (assustada) com gritos, medo intenso e confusão, geralmente sem lembrança do que aconteceu;
- Paralisia do Sono: uma incapacidade temporária de se mover ou falar ao adormecer ou ao acordar, a pessoa pode ter sensação de sufocamento e até alucinações (leia mais aqui);
- Pesadelos: são sonhos vívidos e assustadores que causam despertares, nos assustamos, sentimentos medo e/ou ansiedade, dificultando o retorno ao sono;
- Transtorno do Movimento Periódico dos Membros (DMPM): Movimentos involuntários e repetitivos das pernas (às vezes dos braços) durante o sono, isso causa vários despertares e, claro, é ruim para quem dorme junto com a pessoa;
- Síndrome das Pernas Inquietas (SPI): Sensação desconfortável nas pernas, com necessidade de movê-las, especialmente à noite, dificultando o início do sono. E também atrapalha quem dorme junto.
A neurociência do Sono
E como todo comportamento, o Sono e o Dormir possuem bases biológicas. Existe uma interação entre as estruturas cerebrais e os neurotransmissores. Só para você ter uma ideia, vou citar apenas algumas:
O hipotálamo funciona como uma central de controle. Ele regula o ciclo sono-vigília por meio do núcleo supraquiasmático, que responde à luz ambiente. Por exemplo, quando você usa o celular na hora de dormir, estimula essa estrutura, fazendo o sono ficar mais difícil de chegar…. O tronco cerebral coordena a transição entre os estágios do sono. Já o tálamo filtra estímulos sensoriais durante o sono profundo (a gente se desliga do ambiente). Eu já citei que a melatonina ajuda a induzir o sono, mas ainda temos outros neurotransmissores envolvidos, como a adenosina e o GABA para promover o sono. Por outro lado, a dopamina e a noradrenalina estão associadas à vigília e ao estado de alerta.
Impacto emocional do Sono e da falta dele
O que comentei até agora é relativamente conhecido para quem vai dar uma estudada no Sono e seus principais transtornos. Mas os fatores emocionais envolvidos não são tão discutidos. Então, vamos entender como o Sono pode afetar nosso emocional.
Um grande problema do Sono ruim, da privação de sono, é que isso vai afetar a amígdala, no cérebro, que é uma região considerada o centro emocional, sendo responsável pelo estado de alerta, processamento emocional e até de alguns tipos de memória. Também afeta o córtex pré-frontal, que dentre várias coisas, é responsável pelo controle emocional e tomada de decisões.
Ou seja, dormir mal nos torna pessoas irritadas, mau humoradas, uma bomba relógio para explosões emocionais e tomar decisões ruins.
Transtornos como Ansiedade e Depressão exercem um impacto muito forte tanto no Sono quanto na Saúde Mental. A Ansiedade no deixa acelerados, com hiperatividade mental, que dificulta o Sono e pode levar as despertares noturnos. E isso gera até uma ansiedade para dormir, o que dificulta novamente o dormir…
A Depressão, por sua vez, tem relação com a Insônia e Hipersônia (excesso de sono), mudando a relação entre os ciclos do sono, geralmente reduzindo o sono profundo e fazendo o sono REM se antecipar. E, quando dormimos mal isso agrava esses transtornos, que afetam o sono…
E menos citado, os problemas de Sono podem causar problemas no relacionamento. Imagine conviver com quem dorme mal, que tem menos disposição, o humor mais rebaixado, irritação, rola de um lado para outro na cama.
Como melhorar a Qualidade do Sono?
Aqui vou dar umas dicas simples. Se você gostou do texto e quer ter uma visão geral do tratamento, deixe um recado nos comentários. Daí num próximo texto posso trazer as principais sugestões, formas de tratamento e quais profissionais você deve procurar se tiver problemas de Sono.
Só pra ter uma ideia, em geral, a primeira coisa que buscamos investigar em quem tem problema de Sono são seus hábitos, sua rotina e o que a pessoa faz perto do horário de dormir. Também investigamos o ambiente que a pessoa dorme (muita luz, muito barulho?), a temperatura (quente ou frio demais?), as relações pessoais em casa antes do horário de dormir. Ainda, a alimentação e o que a pessoa bebe (café, água demais, álcool). Após uma avaliação, o tratamento envolverá isso:
- Higiene do sono (hábitos mais saudáveis e adequados para dormir);
- Estabelecer uma rotina de horários para dormir e acordar;
- Evitar telas (celular, computador) antes de dormir – elas ativam o núcleo supraquiasmático;
- Criar um ambiente adequado para o sono (luz baixa, temperatura confortável, por exemplo);
- Técnicas de relaxamento:
- Meditação e mindfulness para reduzir a ansiedade noturna.
- Exercícios de respiração profunda;
- Alimentação e exercícios:
- Evitar cafeína e álcool antes de dormir.
- Praticar atividades físicas regularmente, mas não próximo ao horário de dormir.
O Sono ruim, os problemas de Sono (insônia e afins) podem atrapalhar, e muito, nossa Qualidade de Vida e Bem-Estar. Aqui eu trouxe alguns pontos para vocês entenderam o que é o Sono, o que o afeta, os tipos de problemas que podemos ter e uma visão geral do tratamento.
Se você se identificou com algo, não se autodiagnostique, procure algum (a) profissional de Saúde para investigar isso com você. No caso, inicialmente a recomendação é alguém da Neurologia especializado em Sono.
Espero que esse texto tenha te trazido informações úteis!
Referências científicas:
- Fernandes, R. M. F. (2006). O sono normal. Medicina (Ribeirão Preto), 39(2), 157-168.
- Walker, M. P. (2017). Why We Sleep: Unlocking the Power of Sleep and Dreams. (Livro que aborda a ciência do sono e seus impactos na saúde mental.)
- https://www.psychologytoday.com/us/basics/sleep/sleep-and-mental-health
- https://www.msdmanuals.com/pt/casa/dist%C3%BArbios-cerebrais-da-medula-espinal-e-dos-nervos/dist%C3%BArbios-do-sono/vis%C3%A3o-geral-do-sono
- Baglioni, C., et al. (2011). “Insomnia as a predictor of depression: A meta-analytic evaluation of longitudinal epidemiological studies.” Journal of Affective Disorders.
- American Psychological Association (APA). “The link between sleep and mental health.”
- National Sleep Foundation. “How Sleep Affects Your Mental Health.”
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