Tomada de Decisão, Emoção e o Marcador Somático

Bruno Marinho de Sousa

  • Será que somos racionais para decidir?
  • As emoções podem influenciar nossas decisões?

A vida é feita de decisões

Durante nossas vidas tomamos decisões o tempo todo: Ler ou não esse texto? Tomar um café antes ou durante a leitura? Ir ou não para o trabalho? A maioria das decisões são tomadas de forma rápida e automática. Por exemplo, chocolate ou salada? Você vai decidir com base nos seus aprendizados ocorridos durante sua história de vida, as memórias formadas e em como você está no momento da escolha.

O que é Tomada de Decisão?

Tomada de decisão é, segundo Margareth Matlin (2004): o “julgamento e a escolha entre diversas alternativas”. É um processo ambíguo, que pode ocorrer mesmo na falta de informações suficientes para uma decisão adequada. E também não há regras definidas sobre como decidir.

E a relação da Tomada de Decisões com as Emoções?

erro de descarte

Bem, agora precisamos falar de António Damásio. Já falamos dele no texto sobre a diferença entre Emoções e Sentimentos. O que ele descobriu de tão especial sobre a Tomada de Decisão? Bem, ao dedicar muitos anos de sua vida profissional ao tema, ele encontrou uma associação entre a “racionalidade” e a emoção nesse processo. Vou comentar sobre um livro dele que ficará mais fácil entender.

Em 1994 Damásio publicou um livro chamado o O erro de Descartes. Nesse livro ele conta algumas de suas pesquisas, em especial sobre os pacientes com lesão no córtex pré-frontal. Um dos casos mais importantes do livro é o de Phineas Gage.

Leia mais sobre o caso Phineas Gage aqui: Saúde corpo-mente.

befunky-collage-5
Phineas Gage, a barra e seu crânio. Imagem: The vintage news

Em resumo: Phineas Gage  sofreu um acidente gravíssimo no trabalho em 1848. Uma barra de ferro atravessou sua cabeça e danificou algumas partes de seu cérebro. Antes era uma pessoa amigável, solidária e respeitosa, depois se tornou arrogante, descontrolado, desrespeitoso e até passou a falar muita baixaria.

Hanna Damásio, António Damásio (sim, eles são casados) e colaboradores reconstituíram o possível caminho da barra no crânio de Phineas Gage. Assim seria possível entender o dano provocado pela lesão. As sequelas comportamentais já haviam sido bem documentadas por John Harlow, seu médico da época.

A isso foram acumuladas várias outras evidências de mudanças comportamentais de pacientes com lesões no córtex ventromedial (incluindo o orbitofrontal), o mesmo tipo de Gage. A partir disso concluíram que a lesão nessa região afetava a tomada de decisão por interferir na parte emocional desse processo.

 

ventromedial_prefrontal_cortex
Região Ventromedial: responsável pela habilidade para expressar e experienciar sentimentos. Imagem: Wikipedia

A hipótese do Marcador Somático

A partir dos resultados, António Damásio elaborou a Hipótese do Marcador Somático (“The Somatic Marker Hypothesis”, em inglês). Isso foi publicado em seu artigo de 1996, intitulado The somatic marker hypothesis and the possible functions of the prefrontal cortex (leia o original para aprender mais). Aqui vou fazer apenas um resumo e tomarei muita liberdade na explicação.

O estado somático se refere ao que ocorre no corpo (“soma” é corpo, em grego). Já o marcador vem da associação do que ocorre no corpo com uma imagem, emoção, sentimento. Então o marcador somático é uma justaposição (ou associação) de uma imagem, emoção e um sentimento corporal que temos. Ou seja, as reações corporais influenciam ações e decisões e essas reações corporais são os marcadores somáticos.

Numa situação em que se deve tomar uma decisão acontecerá o seguinte: você tem que decidir entre as alternativas A, B, C e D. Os marcadores somáticos realizarão uma comparação entre as alternativas e farão uma espécie de pré-seleção, com base nos marcadores somáticos. As alternativas mais relevantes serão submetidas a um processamento cognitivo mais refinado (a parte “racional” do processo).

Os marcadores somáticos então são reações emocionais que aumentam a eficiência e a precisão do processo de tomada de decisão. E são baseados em nossas experiências de vida, especialmente com as situações que se assemelham com as alternativas a serem escolhidas. E não necessariamente eles se apresentam na forma de sentimentos. Os marcadores podem agir na forma de mecanismos atencionais, destacando alguns aspectos das alternativas.

Do ponto de vista evolutivo, isso nos ajuda a economizar muita energia e tempo. Imagina termos que toda vez realizar uma avaliação cognitiva completa de todas as alternativas que tomamos no dia: levantar da cama ou não, comer ou não, escovar os dentes ou não, trabalhar ou não… Imagine a escolha de uma roupa: se você tem 10 camisas e 3 calças, teria que imaginar “racionalmente” todas as opções de combinações!!

Na Hipótese do Marcador Somático o raciocínio e tomada de decisão são guiados pela avaliação emocional das consequências (Gazzaniga, Heatherton e Halpern, 2018).

Tomada de Decisão e o Marcador Somático: um exemplo

Imagine que você tem que mudar de emprego e decidir entre trabalhar como policial, professor (a), médico (a) ou palestrante. Para eliminar algumas variáveis, todos os empregos pagarão o mesmo salário e você vai trabalhar o mesmo número de horas em qualquer um deles. Numa situação dessas, seu cérebro ativará os marcadores somáticos e você poderá sentir algo com as opções disponíveis. Algumas alternativas irão gerar marcadores bons ou atraentes, outras ruins e outras talvez neutros. O que definirá o “marcador” que sentirá é sua experiência anterior

  • se gosta de ajudar os outros, se imagina num hospital atendendo pessoas, quando vai ao médico acha interessante o trabalho, então talvez ao pensar em ser médica (o) o marcador pode alertar que é uma boa profissão;
  • se morre de medo de falar em público, com desconhecidos e não tem experiências boas em público, então poderá ter um marcador ruim só de pensar em ser palestrante e/ou professor;
  • se desde pequeno gosta de brincar de policial, ver séries e filmes e se identifica sempre com a polícia, tem um amigo que é gosta das histórias que ele conta, então talvez ao pensar na profissão de policial o marcador traga uma sensação boa;

Os marcadores somáticos então fizeram uma eliminação e deixaram duas opções: médica (o) e policial. Agora você irá realizar uma escolha mais “racional” entre as duas opções, gastando mais recursos cognitivos para decidir apenas entre elas, e não nas quatro iniciais.

Mas e quando não se tem os marcadores somáticos?

Agora a decisão fica difícil. Sem um marcador somático para auxiliar, haverá uma equidade nas possibilidades. Você terá que usar totalmente sua “racionalidade”, sua lógica e gastará muito de seus recursos e processos cognitivos para isso. O processo então será mais lento, não terá como levar em consideração suas experiências anteriores (aprendizagens). Assim a decisão ficará mais lenta, difícil e propensa a erros.

Um exemplo simples: imagine que você está em seu casamento há 10 anos, a pessoa é seu primeiro e único par romântico até o momento (de namoro e sexual) e vocês têm um filho. Mas o casamento vai mal, nenhuma das partes está feliz e a separação é uma possibilidade real. Por que numa situação dessa fica difícil decidir pelo término?

As possibilidades são simples: terminar ou tentar continuar. Continuar no casamento gera um marcador somático confuso (vem a parte boa e a parte ruim). Mas você já tem um conhecimento disso, o que gera sentimentos ambíguos: “mas era bom”, “não aguento mais”, “vai ser melhor sozinha(o)”, “e se não for a decisão certa”…

Por outro lado vem: “como será a vida de solteira (o)”? Como vai ser conhecer outra pessoa e se envolver afetivamente e/ou sexualmente? Como vai ser criar ou não o filho? Como será essa nova vida social com os amigos, família? A simples ida a um bar, a uma festa já será algo que gerará ansiedade só de pensar. Agora imagine o resto, começar tudo do zero. Racionalmente a decisão é “fácil”, as duas partes parecem querer o término. Mas na prática a história é outra.

Esse é o mesmo problema que enfrentamos na terapia. As pessoas querem resolver seus problemas, mas ao mesmo tempo como será a vida sem os problemas, como será viver de uma outra forma? Fica difícil sair da zona de conforto.

Sêneca, um filósofo grego da escola do Estoicismo disse: “A razão quer decidir o que é justo, a cólera quer que se ache justo o que ela decidiu”. E geralmente é assim que funcionamos, nos baseamos no que sentimos sem questionar, achando que isso é o correto, sem avaliar que as emoções, sentimentos e sensações corporais interferem no que pensamos.

Então antes de decidir algo, tente sempre entender: o que estou sentindo quando penso em cada uma dessas alternativas…


Leia Mais:

Compre o livro: O erro de Descartes, de António Damásio, na Amazon

Observação: algumas das áreas estudas e que são base para a Hipótese do Marcador Somático são os córtices

  • orbitofrontal (lesionados nessa região possuem dificuldade de utilizar memória de resultados anteriores para direcionar comportamento futuro) e
  • ventromedial: relacionado a habilidade para expressar e experienciar sentimentos, além de fornecer substrato neural para aprender a associação entre uma situação e um estado biológico,
  • marcador somático: aspectos musculoesquelético, visceral e outros componentes internos.

3 Replies to “Tomada de Decisão, Emoção e o Marcador Somático”

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.