O Impacto Oculto do Estresse Crônico no Seu Cérebro e Memória

Bruno Marinho de Sousa

Você provavelmente já se sentiu sobrecarregada (o), com dificuldade para se concentrar e esquecendo coisas simples do dia a dia? Onde eu deixei as chaves? O que eu vim buscar aqui na cozinha? Muitas vezes achamos que esses sintomas são da rotina agitada, o que pode ser o caso, ou talvez não.

Muitas vezes o problema pode ser um vilão silencioso: o estresse. Ele pode vir aos poucos e não percebemos, vai se tornando parte da nossa rotina, da nossa vida. Vemos outras pessoas estressadas e achamos que é assim, mesmo, tá tudo ok. Daí o problema se agrava, virando crônico.

Leia: O que é o Estresse?

O estresse crônico pode estar silenciosamente cobrando um preço alto do seu cérebro e da sua memória. Não estou falando do estresse passageiro, que nos ajuda, nos impulsiona, a reagir a situações de perigo. Estou falando daquele estresse que comentei, que se prolongou, que se tornou um companheiro constante da nossa vida e que, com o tempo, afeta a própria estrutura do nosso cérebro.

homem pensativo, com rosto tenso.
Foto por Brett Sayles em Pexels.com

O Estresse: Um Mecanismo de Sobrevivência que Pode se Tornar um Vilão

Para entender o impacto do estresse crônico, preciso primeiro revisar com você o que é o Estresse. Grosso modo,

o estresse é uma reação psicofisiológica e não se refere apenas a situações ruins, se aplicando a coisas boas também“.

Quando você se depara com um estressor – seja um prazo apertado na faculdade ou no trabalho, um problema financeiro ou até mesmo o trânsito – seu organismo ativa o modo “luta ou fuga“. As glândulas suprarrenais liberam hormônios, como o cortisol e a adrenalina, preparando você para agir de alguma forma. Ainda, o coração acelera, a respiração fica mais rápida e curta, com os sentidos se aguçando. Isso é muito importante para uma situação de perigo real, como um assalto, uma onça na sua frente no meio do mato.

Imagem ilustrativa de um rim com a glândula suprarrenal liberando hormônio.
As glândulas suprarrenais estão acima dos rins. Elas são responsáveis pela produção do cortisol. Foto: Endocrine Society/Reprodução

E se isso fosse de vez em quando, estaria tudo bem. A grande questão é que nossa rotina atribulada e cheia de compromissos nos faz entender essas coisas como problemas, do tipo assalto e onça. E toda vez que surgem esses problemas, nossa resposta de luga ou fuga passa a ser ativada repetidamente e por longos períodos, sem um tempo para o corpo se recuperar. Sem essa recuperação o nosso sistema fisiológico e mental vai se desgastar, podendo entrar em esgotamento. É aí que o estresse se torna crônico e os efeitos negativos começam a aparecer, não apenas no seu bem-estar geral, mas diretamente no seu cérebro.

O Cortisol: amigo e vilão do Cérebro

O cortisol ficou popularmente conhecido como “hormônio do estresse“. Ele é um hormônio esteroide com receptores na maioria das células do corpo. E por isso ele afeta diferentes funções do corpo. Olha só como ele é nosso amigo: o cortisol controla o nível de açucar no sangue, regula o metabolismo, ajudar a diminuir inflamações, participa da regulação do nível de “sal” e água no sangue – ajudando a controlar a pressão, nas grávidas ajuda a desenvolver o feto. Ou seja, ele é fundamental para ter saúde e bem-estar.

Imagem da molécula de cortisol em destaque dentro de um círculo, com os glândulas suprarrenais à esquerda.
Cortisol e suas funções. Foto: Endocrine Society

Então em níveis equilibrados o cortisol é fundamental e necessário para diversas funções fisiológicas que nos mantém ativos e funcionais. Mas a exposição prolongada a altas concentrações de cortisol pode ter um impacto profundo em regiões cerebrais cruciais. Aqui vou citar algumas:

  • Hipocampo: fundamental para o aprendizado e a formação de novas memórias, é sensível ao cortisol. Estudos mostram que o estresse crônico pode levar à redução do volume do hipocampo, afetando diretamente sua capacidade de memorizar e aprender. Você pode começar a notar uns esquecimentos (lapsos) de memória, dificuldade de guardar novas informações ou em se lembrar de coisas que conversou recentemente.
  • Córtex Pré-frontal: é o responsável pelas funções executivas (ex., planejamento, tomada de decisões, atenção e controle de impulsos). Ele também sofre com o estresse crônico. A capacidade de pensar com clareza, resolver problemas complexos e manter o foco pode ser comprometida. É como se seu cérebro e sua mente estivessem constantemente em alerta, sem a capacidade de acessar seus recursos mais sofisticados.
  • Amígdala: é relacionada ao medo e às emoções negativas. E ela, ao contrário das outras, pode ficar hiperativa e até mesmo aumentar de tamanho em resposta ao estresse crônico. Esse aumento pode levar a uma maior reatividade emocional, ansiedade exacerbada e dificuldade em regular suas emoções, contribuindo para um ciclo vicioso de estresse e angústia. Ficamos à flor da pele.

Além dos efeitos diretos nessas estruturas, o estresse crônico também interfere na neurogênese (a criação de novos neurônios) e na conectividade neural, impactando a saúde geral do seu cérebro.

Sintomas e Sinais de Alerta

Imagem de uma fogueira com muitas faíscas.
Foto por Adonyi Gu00e1bor em Pexels.com

Os sinais de que o estresse crônico está afetando seu cérebro e memória podem ser sutis no início, mas tendem a se agravar com o tempo:

  • Dificuldade de concentração e atenção: Você se distrai facilmente, tem dificuldade em manter o foco em tarefas ou conversas.
  • Lapsos de memória: Esquece compromissos, nomes de pessoas, onde deixou objetos ou informações importantes.
  • Dificuldade em tomar decisões: Sente-se paralisado ou incapaz de fazer escolhas, mesmo as mais simples.
  • Irritabilidade e mudanças de humor: Pequenos aborrecimentos podem desencadear reações exageradas.
  • Cansaço mental: Uma sensação constante de exaustão, mesmo após dormir.
  • Problemas para dormir: Dificuldade em adormecer ou manter o sono, o que agrava ainda mais o problema.
  • Aumento da ansiedade e preocupação: Um estado de apreensão constante, sem um motivo claro.

Estratégias da Psicoterapia para Lidar com o Estresse

Agora que apresentei o problema, saiba que existem formas de se trabalhar o estresse crônico. A principal é: procure ajuda profissional!

Em geral os profissionais que ajudarão nesse caso são Psiquiatra e Psicólogo. E, como sou psicólogo, vou falar de uma forma, com base na Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). Ela oferece ferramentas e estratégias eficazes para reconhecer os padrões de pensamento e comportamento que contribuem para o estresse. Ainda, pode te ajudar a desenvolver formas mais saudáveis de lidar com ele.

Entendo que algumas questões sociais precisam ser resolvidas e isso foge do foco do texto. Então aqui apresento algumas estratégias para casos não extremos que podem ser utilizadas:

  1. Identifique seus estressores: O primeiro passo é identificar o que está desencadeando o estresse. Mantenha um diário para identificar situações, pensamentos ou pessoas que parecem ativá-lo. Ao nomear seus estressores, você começa a ter controle sobre eles.
  2. Reestruture seus pensamentos: O estresse muitas vezes é amplificado por interpretações negativas ou distorcidas dos eventos. A TCC o ajuda a identificar esses pensamentos disfuncionais negativos e a questionar sua validade. Por exemplo, se você pensa “Nunca vou conseguir terminar isso a tempo”, tente reformular para “Vou me organizar e fazer o meu melhor para terminar o máximo possível.”
  3. Desenvolva habilidades de regulação emocional: Em vez de tentar suprimir as emoções, que é quase impossível, aprenda a gerenciar suas reações a elas. Técnicas de respiração profunda, relaxamento muscular progressivo e mindfulness (atenção plena) podem ajudar a ancorar sua mente com o presente, e, com isso, acalmar seu sistema nervoso e a responder de forma mais consciente.
  4. Defina limites saudáveis: Aprenda a dizer “não” a compromissos excessivos, a pessoas que o sobrecarregam ou a expectativas irreais. Gerir seu tempo e energia é fundamental para prevenir o esgotamento. A assertividade é uma ferramenta poderosa para isso.
  5. Priorize o autocuidado: Durma o suficiente, alimente-se de forma equilibrada e incorpore a atividade física regular em sua rotina. Exercícios, como já abordado aqui no blog, são excelentes para reduzir o cortisol e promover a saúde cerebral.
  6. Busque apoio social: Encontrar-se com amigos, familiares ou um grupo de apoio pode fornecer uma rede de segurança e perspectiva. Relacionamentos saudáveis são um poderoso antídoto contra o estresse.
  7. Considere a terapia: Se o estresse crônico estiver prejudicando significativamente sua vida, procurar um psicólogo pode ser o passo mais importante. Um profissional poderá oferecer um plano de tratamento personalizado, ajudando você a desvendar as raízes do seu estresse e a construir resiliência.

O estresse crônico é uma ameaça real para a saúde física e mental, bem como para seu bem-estar e sua qualidade de vida. No entanto, ao entender como ele age e ao aplicar estratégias baseadas em evidências, como as da TCC, você pode aprender a geri-lo de forma eficaz, proteger sua memória e promover um bem-estar duradouro.


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