Bruno Marinho de Sousa
Para você me acompanhar nesse texto, vou precisar de sua concentração. Leia a passagem a seguir, com calma, e deixe sua imaginação fazer o resto.

Que inseto monstruoso você imaginou? Um gafanhoto? Uma barata? Outro? No geral as pessoas imaginam uma barata…
A imaginação humana é extremamente poderosa. Eu descobri isso com a leitura da Turma da Mônica. Adorava e adoro o Chico Bento. Quando eu lia os gibis vivenciava aquelas histórias com eles. Daí para cair no gosto pela literatura foi fácil. Uma influência importante foi a série Vagalume, da Editora Ática.
Desses livros eu lembro de um com um grupo de garotos que entram numa caverna e começam a explorá-la e passam alguns apuros¹. Lembro de ler e ter uma experiência “real” com isso, ver e sentir o apuro que os personagens passavam. Com a minha evolução como leitor fui para Agatha Christie, Machado de Assis, Cervantes, Dostoiévski, Asimov, etc. O Kafka que usei no começo do texto é dessa época.
Eu quis usar um exemplo da literatura para criar o contexto para explicar uma pesquisa neurocientífica muito interessante. Os cientistas usaram a imaginação dos participantes no estudo. E encontrou alguns resultados muito importantes que corroboram outros estudos e técnicas da Psicologia e da Terapia Cognitivo-Comportamental.
O estudo foi conduzido por Roland G. Benoit, Philipp C. Paulus e Daniel L. Schacter. Esse estudo foi publicado na Nature Communications.
A ideia do estudo é baseada na nossa capacidade de imaginar diversas situações, reais (conhecidas) e hipotéticas (como supomos ser algo). Várias redes neurais (redes de neurônios conectados) estão envolvidas nesse processo, tendo destaque o Córtex Pré-Frontal Ventromedial (CPFvm). Funciona assim: a rede neural irá se basear numa situação conhecida e a partir disso criará a situação imaginária. Exemplo: você conhece o Fulano (real) e imagina-se com ele num lugar que nunca estiveram, numa viagem, num estádio, numa caverna perigosa etc. E isso provavelmente irá provocar algum tipo de emoção.

O estudo.
A partir dessa ideia o estudo testou se uma simulação (imaginar) mudaria o valor afetivo de uma situação. E se a CPFvm (região do cérebro) lidaria com o valor afetivo de situações neutras. Para isso o estudo se dividiu em duas partes.
Na primeira parte os participantes fizeram uma lista e davam nomes tanto de pessoas que gostavam quanto que não gostavam, bem como nomes de lugares específicos do seu cotidiano. Depois deram notas para os itens da lista com o critério de quanto gostavam das pessoas e quão familiar eram os lugares. A partir disso os cientistas combinaram os lugares considerados neutros com pessoas que os participantes gostavam e não gostavam.
Na segunda parte os participantes tiveram seus cérebros escaneados por uma técnica de Ressonância Magnética Funcional (fMRI) em 3 fases: 1ª – participantes se imaginavam interagindo com cada pessoa e lugar isoladamente; 2ª – se imaginando na interação com uma respectiva pessoa da lista de um jeito específico para o lugar; 3ª – igual a 1ª, mas numa ordem diferente.
Já fora do equipamento os participantes tinham que julgar novamente suas listas. Basicamente tinham que indicar para cada relação pessoa-lugar a possibilidade desse encontro e quão agradável seria.
E o que o estudo mostrou?
Aqui vou fazer uma simplificação dos resultados. Segundo os autores o estudo mostrou “que apenas imaginar o encontro com uma pessoa conhecida em um local familiar pode aumentar o valor que atribuímos a esse local” (em tradução livre). E essa mudança de atitude é mediada pela ativação da CPFvm.
Em resumo, apenas imaginar a associação entre uma pessoa e um lugar mudou o valor afetivo da situação. Ou seja, o estudo mostrou que a experiência afetiva imaginada muda atitudes para situações antes neutras.
Segundo os cientistas:
“De maneira mais geral, as descobertas destacam a poderosa função das simulações não apenas na orientação de decisões orientadas para o futuro, mas também na criação de nossos modelos do mundo.”
Se esse mecanismo dá errado pode, por exemplo, contribuir para o adoecimento mental, como na depressão, ansiedade, transtorno bipolar. Esses transtornos têm em suas características o pensamento prospectivo (antecipatório) de situações adversas/aversivas, com conteúdo emocional negativo.
Esse estudo mostra implicações muito amplas: pessoas com ansiedade e/ou depressão podem usar a imaginação (simulação) de forma muito exagerada e mudar suas atitudes e comportamentos. E essas simulações exageradas podem gerar um mundo distorcido que se dissocia das experiências reais, como é o caso dos transtornos citados.

E a Psicologia com isso?
Na Psicologia, em especial na Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), utilizamos várias técnicas que se valem da imaginação. Algumas dessas técnicas são a Dessensibilização Sistemática; Relaxamento por Imagens; Inundação (ou Terapia Implosiva); Imaginação emotiva; Imaginação Racional Emotiva; Imagens de: Enfrentamento, Idealizadas, Seguindo Imagens (até conclusão de algo), Distração; Ensaio Comportamental e etc.
Todas essas técnicas, de uma forma ou de outra, irão nos auxiliar a enfrentar nossas dificuldades ou limitações associadas a uma situação e com pessoas (estresse, tristeza, desânimo, mais assertividade, desempenho etc.). Ainda nos ajudarão a tomar melhores decisões.
E a literatura que citei no começo do texto nos ajuda a ser mais flexíveis, ter uma melhor imaginação, sem contar que melhora nossa capacidade de raciocínio. A leitura nos ajuda a prevenir os sintomas do Alzheimer, demência, ainda melhora nosso relacionamentos e pode diminuir sintomas da depressão. Ou seja, ler só nos torna melhores.
O estudo que eu apresentei mostra a importância da ciência para a Psicologia baseada em evidências. As técnicas que se valem da imaginação já eram, e são, utilizadas de forma relativamente semelhante ao método apresentado no estudo. Agora é aguardar novos estudos que irão mostrar a convergência de resultados!
Leia mais:
- Forming attitudes via neural activity supporting affective episodic simulations, os autores são Roland G. Benoit, Philipp C. Paulus e Daniel L. Schacter, publicado na Nature Communications.
- Imagens Mentais na Psicoterapia: um estudo sobre sua utilização nas terapias comportamental, cognitiva, analítica e gestáltica, de Sandra Caselato.
- ¹ Acho que o livro se chama Os Barcos de Papel, do José Maviel Monteiro.
- A leitura como tratamento para diversas doenças, na Revista Saúde.
Interessante!
https://melborconsultoria.com.br/blog/
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